Hospital sem médico é hospedaria

    O relacionamento entre médicos e dirigentes hospitalares particulares, filantrópicos ou não, principalmente santas casas ou beneficências, deveria ser sempre harmonioso, com respeito mútuo em benefício da instituição e do paciente por, objetivo principal dos que a dirijam e dos que lá trabalham. Infelizmente, não poucas vezes, as diretorias de alguns hospitais estimulam a divergência entre médicos favorecendo alguns em prejuízo de outros profissionais.

    O Diretor Clínico, eleito pelos médicos efetivos e nomeado pela diretoria, é o único interlocutor com a diretoria administrativa e é assessorado pelo Conselho Técnico Deontológico e pelas chefias de serviço que têm como função informar e disciplinar as atividades dos médicos, bem como avaliar e dar seu aval para a entrada de novos colegas nas diversas especialidades. A Comissão de Ética, como o próprio nome indica, é praticamente a representante legal do Conselho Regional de Medicina e trata das infrações éticas que porventura possam ser praticadas por médicos, além da orientação nas diferentes situações que requeiram uma opinião legal e ética.

    Entre 1969 e 1979, um provedor da Santa Casa de Santos conseguiu uma façanha inédita: unir a classe médica da Baixada Santista contra todos os desmandos e violações dos direitos de profissionais corretos e decentes que levaram a Santa Casa a ocupar uma posição de destaque no cenário médico nacional. Atraso nos pagamentos de honorários, desrespeito ao trabalho dos profissionais, demissões de Chefias sem nenhum motivo além da utilização do hospital para atender (gratuitamente) “compadres” e “protegidos”.

    São suas as duas frases que exprimem muito bem o que pensava da nossa profissão: “Médico é como sal: é branco e dá em qualquer lugar” e “Não me preocupo com a greve dos médicos, mas sim com a falta da minha empregada”. O provedor administrava a Santa Casa como se fosse de sua propriedade, utilizava com maestria a tática do “dividir para conquistar”, colocando nas chefias de serviço profissionais incompetentes e que deviam o cargo a ele. Com a greve deflagrada pela maioria dos médicos (éticos) da Santa Casa, o movimento se alastrou, envolvendo todos os profissionais da Baixada Santista com apoio total da Associação, sindicato e Conselho Regional de Medicina.
Como presidente da Associação dos Médicos de Santos – AMS, presidi memoráveis assembléias realizadas no saguão térreo da AMS (literalmente lotado), que exigiam a renúncia imediata do Provedor. O hospital ferido sangrava a caminho de sua agonia. Fechada a Santa Casa, os hospitais se organizaram para evitar que o caos na saúde se instalasse na nossa região. Com a deposição do Provedor, aos poucos a Santa Casa foi reaberta com alguns percalços, nada comparáveis à gestão que durou 10 anos.

    Isto serviu e deve servir de exemplo a inúmeros hospitais particulares, filantrópicos ou não, que não podem reter nossos honorários, pagos pelos convênios e não repassados. Hoje todos sabem que o médico teve a sua profissão socializada num país capitalista, a ponto de uma consulta do veterinário valer três ou quatro vezes a nossa consulta. Qualquer atraso no repasse dos honorários hoje em dia “quebra” o orçamento, portanto, o pagamento deve ser feito juntamente com o dos funcionários.
Lembro-me até hoje, numa das mais acaloradas assembleias, da intervenção lúcida do saudoso ex-presidente da Associação e ex-médico da Santa Casa (onde trabalhou por 40 anos) João Carlos de Azevedo: “Hospital sem médico é hospedaria, vou-me embora desta porcaria…”

Médicos “boias-frias”

    Muitas Prefeituras em todo o Brasil se utilizam da lei que permite contratações diretas de médicos e outros profissionais sem concurso público. Geralmente no período pré-eleitoral, “descobrem” que faltam médicos na rede e iniciam a seleção baseada no currículo e outros quesitos.Isso é uma excrescência, pois o médico tem de deixar de trabalhar em outro lugar para assinar contrato e em seis ou 12 meses é descartado após o “corte de cana”. Desculpem: após prestar assistência médica provisória.

    O concurso, quando realizado com número de vagas muito menor que o necessário, os médicos “bóias-frias” não tem contados pontos do período que trabalharam, nem do seu tempo de exercício da profissão e disputam com médicos mais jovens, geralmente saídos da Residência e muitos de outras localidades. Deveria haver contagem de pontos a favor dos médicos provisórios. Para agravar o problema, as Prefeituras e o Estado pagam 1/3 do piso salarial do médico por 20 horas semanais. Para outras categorias, inclusive boias-frias, o piso salarial é sagrado.

    Até quando isso irá acontecer?

George Bitar

texto por George Bitar